música e existencialismo: Serge Gainsbourg e a decadência da moral burguesa
Serge Gainsbourg, filho de uma família de judeus ucranianos estabelecidos em Paris após a revolução russa teve a sua vida marcada pela experiência do nazismo: as humilhações, constantes fugas e refúgios na insegura Vichy, coisas q ficaram na memória e no corpo do compositor/cantor/ator/produtor/roteirista, “o nosso Baudelaire, o nosso Apollinaire”, como sobre ele se referiu François Mitterrand
Suas composições flertam com as manifestações de Paris em 1968, com o movimento hippie norte americano e com o abuso de álcool, tabaco e outras drogas, com o existencialismo e com o situacionismo, em inflexões que questionaram a moralidade burguesa francesa. Para ele o corpo era o receptáculo da vida e esta devia ser vivida nos limites que o corpo pudesse suportar, de preferência com aditivos, para ampliar o espectro corpóreo na realização do desejo.
A canção Je t’aime mois non plus, famosa no Brasil pelas propagandas de motéis, aqui e em outros países esteve na mira da censura assim como o filme homônimo. Seu título refere-se diretamente à uma frase de Salvador Dalí, comparando-se Picaso, e tem histórias interessantes atrás dela. A primeira gravação foi com ele e Brigitte Bardot, em 1967. Lançados os compactos, foram imediatamente recolhidos, sob a pressão de Gunther Sachs, o bilionário marido da atriz. A canção insinua uma entrega sexual irrestrita, e o refrão faz uma alusão ao sexo anal. Regravada dois anos depois com Jane Birkin, uma jovem atriz inglesa, não provocou menos escândalo com os orgasmos e inversão de papéis. A canção resultou ainda num filme, escrito e dirigido pelo próprio Gainsbourg, estrelado por Birkin e Joe d’Alessandro, boy e ator de Andy Wahrol. Em resumo o filme trata de um engano, Krassy, motorista de caminhão de lixo e seu namorado param numa lanchonete, num lugar nenhum para comer e descansar. O motorista logo se interessa pelo atendente, que ao virar revela-se que e uma mulher. Krassy só consegue ter tesão comendo cu, e ela tem grande dificuldade em fazê-lo, se submete sempre na tentativa de agrada-lo, mas nunca consegue efetivamente dar o rabo. Ao fim e ao cabo, Padovan resolve a parada. Ele sabe das artes de encarar uma rola. De costas.
Já em Les sucettes a vibe é o sexo oral. Um simples pirulito (sucette), mas q em francês tb pode significar um boquete é o tema de Gainsbourg. Pois é, o que em terras desses Crazil significa pinto infantil, pau de criança, pipi lá pros lados de Versailles traz a ideia duma boa e açucarada mamada. Até aí é um pano pruma boa confusão. Então, coloque uma Lolita, com uma voz ainda infantil... era France Gall, no ano de 1966. Gravou o q hoje é chamado de clip onde insinua chupadas, acompanhada por um balé de pirulitos que mais parecem pintos encapados pruma mamada lowrisk. e a certa altura, ao fim e ao cabo, a leitada, a cevada doce que escorre pela garganta. Velhota das ideias, já nos anos 1980 France Gall disse numa entrevista que não sabia do duplo sentido quando gravou a canção. Obviamente ninguém acreditou.
Um Deus estóico, que pouco interfere na criação enquanto fuma impassível seu charuto é o tema de Dieu, fumeur des havanes, coisa já dos anos 1980, gravado num duo com Catherine Deneuve. Fala de um Deus que fuma dia e noite e que é nessa nuvem de fumaça, expressão de seu amor que vive o homem, mas isso significa pouco, porque o homem também fuma e por meio de sua fumaça, constrói as lembranças esfumaçadas por amores que se vão como o último cigarro. O amor é tóxico, como o cigarro, é um vício. Destruir-se é uma forma de garantir que se está vivo, de experimentar a existência no seu limite. Serge Gainsbourg, nessa canção, demonstra o seu apego à uma questão fundamental para o judeu e por extensão para o judaísmo, o nome da divindade. Tabu dos tabus, é absolutamente proibido pronunciar esse nome, pois ele engendra, simultaneamente, o outro, a si próprio e toda a comunidade. Dai o poeta fumante implora: ama-me, nome de Deus. Não é mais pela amada que ele fuma/existe, mas pelo absoluto, pelo nada.