
galileu edições: entrevista com jardel cavalcanti


sobre a mesa repousava um livreto branco com a cara de j.j. winckelman estampada nele. o volume tinha uma imprenta encimada por um grifo e nela se lia: galileu edições e ao final tinha também um colofão. meio idiossincrático. como são os colofões. era um ensaio de jorge coli sobre o assassinato de wincklemann. em 1786 o historiador, arqueólogo e esteta foi morto pelo seu scort francesco archangelo no quarto do hotel em que estavam hospedados em trieste. coli relaciona esse assassinato ao de pasolini, em 1975. morto por um garoto de programa, pino pelosi, que fazia ponto na estação termini, em roma. o colofão dizia que aquela plaquete, é assim que esse volume é designado, tinha sido produzido em londrina, por jardel dias cavalcanti, em edição não comercial. sob ele tinha mais outras plaquetes: os desenhos eróticos de jean cocteau, as traduções das considerações sobre anton weber, de glen gould, a crítica de jean baudrillard, sobre andy warhol e poemas de karl marx e de sylvia plath. havia também volumes sobre a inquietante produção textual de jardel. dentre esses, mishima: seda e aço. uma plaquete primorosa, edição bem caprichada de um conto incrível sobre a paixão do japonês pela imagem de s. sebastião de guido reni (1575-1642). mas o papo da galileu vai longe muito longe. só massa fina: augusto de campos, gerald thomas, emily dickson, auden, mallarmé, chantal castelli, fauto antonio e muito mais.
Como surgiu a Galileu Edições? Qual sua intenção ao criá-la?
A ideia original é dar continuidade ao trabalho de um outro editor de plaquetes, o poeta Ronald Polito, que editou heroicamente 60 plaquetes pela sua Espectro Editorial, emedições de 50 ou 100 exemplares cada, que eram distribuídas gratuitamente pelo país afora, para poetas e pessoas de alguma forma ligadas ao universo da literatura. Como o trabalho dele preenchia um espaço vazio das editoras que não têm interesse em editar poetas e poesia traduzida (a não ser que sejam poetas midiáticos ou consagrados), senti grande pena em ver esse trabalho se encerrar. Comecei seguindo o seu caminho, distribuindo gratuitamente pequenas edições de 30 exemplares para poetas principalmente. O que faço em parte até hoje, mas também cobrando por algumas edições para não ir à falência. Com a venda, posso publicar poetas que não podem pagar por uma edição e distribuir parte dessa produção de graça. O interesse principal ao criar a Galileu Edições é fazer circular poesia e tradução de poesia, embora eu tenha editado, por exemplo, dois livros sobre o dramaturgo Gerald Thomas, um com seus estupendos desenhos (com textos meus e do Ronald Polito) e outro com uma análise de sua última peça Dilúvio. Também editei uma tradução minha de um ensaio de Jean Baudrillard sobre Andy Warhol (ensaio que eu considero a reflexão mais importante escrita sobre o artista) e outro outra do pianista Glenn Gould sobre Anton Webern. E editei três pequenos e brilhantes ensaios do Jorge Coli sobre artes plásticas, um deles sobre a obra “Origem do Mundo”, de Gustave Courbet. Mas meu interesse maior ao criar a Galileu Edições, como já disse, é a poesia e a tradução. Publiquei os poetas Ruy Proença, Chantal Castelli, Jovino Machado, Ronald Polito, Auden, Harold Pintcher, Oliverio Girondo, Paul Éluard, Carlos Ávila, André Luiz Pinto, Armando Freitas Filho, Joan Brossa, Alberto Lins Caldas, Anne Saxton, Ricardo Rizzo, Claudio Daniel, dentre outros. As traduções de Augusto de Campos dos poetas Rimbaud, Sylvia Plath, Mariane Moore, os poetas russos e latinos são o ponto alto das publicações dessa pequeníssima editora alternativa, ou “marginal”, se assim quiser.
Os títulos parecem orientar-se na criação artística e na crítica. Isso procede?
Sim, o que me interessa é a criação, seja de poesia, conto, seja de tradução de poesia (que é um fato criativo em si). A crítica, em menor escala. Mas prefiro crítica não acadêmica, mais ousada, mais experimental, mais ensaística, ou até, se me permite o termo, “irresponsável” (entre aspas).
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Quem é mais louco, o professor, o crítico, o poeta ou o editor Jardel?
Na verdade, sinceramente não tenho muito de louco, mas eu invejo os loucos, por issome aproximo da poesia e das artes (música, teatro, artes plásticas). Embora use a palavra louco, não acredito nela, se tal coisa existe, acho que quem é realmente louco é quem se submete às regras do mundo passivamente. Imagine alguém que passa 30 anos da vida trabalhando como caixa de banco, sem ver o sol, de segunda à sexta, das 8 da manhã às 6 da tarde... só pode ser louco! E que no fim de semana se entope de lixo televisivo. É um suicida à prestação! Há uma sintonia entre o professor, o crítico, o poeta (eu poeta, quem dera!) e editor. Em todas essas esferas é necessário sensibilidade, conhecimento, curiosidade e paixão. Dar uma aula sem paixão é o mesmo que se enterrar num trabalho como caixa de banco. E ser editor ou crítico exige a mesma sensibilidade para a forma, tal qual o artista a percebe e/ou concebe.
Como você pensa o layout e a arte das edições?
Na maioria das vezes, eu escolho um formato e discuto com o poeta para ver se ele concorda. Poetas são preocupadíssimos com a forma da edição, então gostam de dizer como o livro deve ser editado, escolhendo os tipos, as ilustrações, a posição do poema na página, etc. No caso do Augusto de Campos, que tem preocupação absoluta pela forma, recebo o livro praticamente pronto, só adaptando uma coisinha de nada para a impressão sair correta. O poeta mais pentelho de todos que editei foi o Carlos Ávila, que gentilmente sugeria mudanças aqui e ali... ininterruptamente. (risos). Mas as escolhas dele foram certeiras. O livro ficou um brinco. Gosto de ser o produtor da forma do livro, embora receba algumas pequenas críticas de amigos sobre minhas escolhas. Mas recebo elogios também (rs). Vou aprendendo e tenho como referência o trabalho anterior do Ronald Polito na sua Espectro Editorial, que sempre consulto.
Como se adquire as plaquetes?
A venda das plaquetes é feita através de depósito bancário na minha conta e, em seguida, eu envio o livro, sempre em envelope registrado, pelo correio. As pessoas chegam a mim através das redes sociais (facebook - onde tenho um álbum com fotos das capas das publicações - e instagram), onde têm notícia da publicação das plaquetes, ou através do meu e-mail: jardeldias1@hotmail.com. Quem não quer pagar, acaba recebendo de graça, como presente. (Afinal, o meu projeto é, ao invés de comprar o carro do ano, gastar o salário com poesia). Há os folgados, evidentemente, mas são bons leitores, por isso são redimidos do seu pecado da usura e acabam recebendo o livro. Quem nem mesmo agradece o recebimento da plaquete de graça nunca mais
receberá outras. Única lei.