
uma aula de história, de césar carvalho
Num país tropical, o professor de História do Ensino Médio foi
questionado pelo aluno:
- Professor, não entendi direito o que é a Revolução Francesa.
O senhor poderia me explicar?
O professor, atencioso e gentil, projetou na tela, que ocupava
toda a parede frontal da sala, substituindo os antigos quadros
negros, o aplicativo WhatsApp. Digitou as palavras Revolução
Francesa e, num ápice, apareceu a explicação que o professor leu
atentamente:
- A Revolução Francesa foi um momento terrível na história da
humanidade porque, influenciada pelas ideias de Karl Marx –
interrompeu a leitura, dirigiu-se aos alunos e perguntou – Karl
Marx, vocês se lembram quem foi, né?!
Um aluno, sentado no fundo, ergueu a mão.
- Muito bem, Eduardo, explique para a gente quem foi Karl Marx.
O aluno levantou-se da carteira, esticou o peito para a frente,
colocou a mão direita sobre a testa, fazendo continência, e começou a
falar num tom de garoto sabe tudo:
- Foi um velho barbudo que inventou o comunismo, o globalismo
e a defesa do meio ambiente, esta última para impedir que os países
pobres pudessem se desenvolver. Era um escritor perigoso. Dentre
suas inúmeras barbaridades, defendia que no regime comunista
ninguém tinha liberdade, todo mundo era escravo do estado. E foi o
que aconteceu em muitos países. Em alguns chegaram até a comer
crianças que nasciam com defeito. Felizmente, ele foi derrotado aqui
em nosso país e ninguém mais está preocupado porque agora somos
livres e independentes.
Ao terminar de falar, voltou a fazer continência e sentou-se.
- Muito bem, Eduardo. Você aprendeu bem a lição. Agora,
continuando – e voltou a ler o texto do WhatsApp projetado na tela -
naquela época, as pessoas viviam felizes sob o regime dos
imperadores, mas os comunistas, inconformados, começaram a
propagar fake news e convenceram os operários a derrubarem a
Bastilha. Aí, sob a liderança comunista, decapitaram o rei e os nobres
e assim aconteceu a Revolução Francesa. Por muitos séculos eles
dominaram o mundo, inclusive nosso país, mas, para nossa sorte, em
2019, nosso Presidente Perpétuo, o Grande Mito, tomou o poder e numa
luta heroica conseguiu eliminar todos esses comunistas, invadiu a
Venezuela, outro país comunista, e com o apoio dos Estados Unidos,
comandado pelo glorioso Trump, acabou também com esses comunistas.
Agora a Venezuela é parte de nosso território e todos vivem felizes
sob o comando do Grande Mito, nosso Presidente Perpétuo.
Na frente da sala, um dos alunos levantou o braço, chamando a
atenção do professor que o autorizou a falar. O garoto, de seus 12, 13
anos, levantou-se, fez continência e perguntou:
- E hoje, professor, a Revolução Francesa acabou? E onde fica
essa tal de revolução?
- Boa pergunta, Carlos. A Revolução Francesa aconteceu lá na
Europa, do outro lado do mundo. Ela acabou, mas as consequências dela
foram terríveis. Lá, nunca conseguiram escapar da democracia. Dois
grandes líderes tentaram – Hitler, na Alemanha, e Mussolini, na
Itália, mas esses países europeus, liderados pelos comunistas,
produziram uma guerra que acabou derrotando-os. O resultado é que
hoje a Europa é um país vazio, sem cultura, sem nada, um horror. Não
tem nada que preste, por isso, nosso Presidente Perpétuo, o Grande
Mito, rompeu relações, de modo que nos isolamos do perigo de contágio
comunista.
O sinal estridente do alarme tocou. Antes de permitir a saída
dos estudantes, orientou-os:
- Semana que vem, dia 28 de outubro de 2058, dia em que se
comemora a vitória do Grande Mito, nosso Presidente Perpétuo, vocês
deverão enviar para a Seção de Controle Acadêmico um trabalho com
no máximo uma página sobre as principais conquistas de nosso país
nesses últimos quarenta anos. Todas as informações que precisarem
vocês encontrarão no Facebook e nos arquivos do WhatsApp. Um aviso,
se alguém escrever “é verdade esse bilete” será penalizado e, vocês
sabem, irão para os campos de trabalhos forçados no deserto
amazônico. Portanto, não brinquem com coisa séria.
Ao terminar de falar, os alunos levantaram-se de seus lugares,
fizeram continência e assim se mantiveram até o professor sair da
sala. Depois, arrumaram o material escolar nas mochilas e marcharam
em fila, em direção à saída.