
o king-kong do recife, por tulio carella*
[...] a luz escassa é suficiente para assinalar os relevos e as concavidades. Comparam os membros, que têm quase o mesmo tamanho. Mas King-Kong não entende de preliminares prolongadas: quer trepar sem mais espera. Gira-o, para colocá-lo na frente dele, de costas, e sem perder tempo apoia a glande na carne indefesa. Lúcio, que se havia distraído um instante contemplando os corpos no espelho, rebela-se: nunca poderá aguentar esse caralho. Tenta separar-se, mas as mãos de King-Kong o impedem, enquanto continua empurrando em vão para forçar a entrada muito estreita. Lúcio se torce de dor e consegue afastar-se, mas é novamente atraído pela força incontestável desses músculos de aço. Uma nova tentativa fracassa e Lúcio sofre e se nega, mas já não pode controlar o macho excitado que o segura com uma mão e com a outra passa cuspe no pênis. Enfia-o novamente; seus dedos transformaram-se em tenazes de ferro. Lúcio sente uma espécie de pavor e atração ao mesmo tempo. É possível que esse cilindro de carne dura penetre em seu corpo? Algo do desejo desmedido de King-Kong comunica-se a ele. King-Kong é agora um monstro obcecado, possuído por um furor erótico exaltado, implacável: perdeu o controle de suas reações. Está cego, mudo; mudo com exceção de certos ruídos guturais e respiração entrecortada que indicam inquebrantável propósito. Para ele só conta a sensação do tato e a busca do contato com as mucosas, que lhe proporcionará a calma que perdeu. É preciso que entre nesse corpo pálido, alheio à sua terra, para comunicar-se com os deuses brancos que o habitam., mesmo que tenha que rasgá-lo e fazê-lo sangrar. Bota mais saliva, abre as nádegas e aponta com o membro teso. As possibilidades de conseguir seu intento parecem remotas. Lúcio dá um grito e foge. King-Kong ruge. Volta a apoderar-se de sua vítima, coloca bem a verga, empurrando, empurrando mais quando percebe que a carne está começando a ceder. Dilatou-se suavemente diante da continua pressão, permitindo a esperança de terminar o ato. Respira profundamente, empurra com violência terrível.; Lúcio afoga um grito ao sentir-se invadido (...) Esquece o pudor, as precauções da prudência e as restrições morais. Sente-se compelido a entregar-se, anseia sentir e desfrutar desse instrumento gigantesco. Relaxa-se, ajuda o macho que, com movimentos que doem e não doem, vai penetrando em suas entranhas. A glande primeiro e depois, progressivamente, o resto, tudo vai desaparecendo pelo dilatado esfíncter anal. Um último empurrão completa a obra, King-Kong é dono de seu corpo, submete-o; sente que toca no fundo e que triunfa. Suas garras se tornam de seda, em vez de cravar os dedos caricia o peito, as costas, o ventre, e apoia seu rosto num dos ombros de Lúcio para saborear com mais clareza os gemidos do paciente (...) O violador começa a mover-se, a princípio com lentidão, depois com maior força e velocidade, até alcançar um ritmo igual, regular, inquisitivo (...) King-Kong emite um doce gemido e tinge o orgasmo, imobilizando-se. Lúcio já não pode suportar mais, masturba-se e compartilha do prazer do outro (...) King-Kong retira o membro, que perdeu a dureza, mas não o comprimento, e Lúcio suspira com alivio e nostalgia. Lavam-se na pia, vestem-se.
*tulio carella, dramaturgo argentino, veio dar aulas de teatro no crazil em meados dos anos 1960. estabelecido em recife, logo pirou com a oferta de corpos. dedicava-se à caça nas áreas portuária e central, buscando especificamente homens negros. seus diários foram traduzidos por hemilo borba filho e publicado pela opera prima em 2011.